Foi um ano difícil, mas passou veloz.
Pessoas trabalharam com medo.
O covid veio ainda mais feroz.
Muitos nos deixaram mais cedo.
Para nós que somos sobreviventes.
Fica a lição de valorizar a vida.
Perdemos amigos, desconhecidos, parentes.
Tanta gente teve adiantada a partida.
Na estrada onde tudo se transporta.
A velocidade é um mal necessário.
Quando chegar no prazo é o que importa.
Caminhoneiro tem que chegar no horário.
Essa era a vida de Otacílio.
Carreteiro muito acima da média.
Seu estradeiro ao sol, ressaltava o brilho.
Domava-o como puro sangue na rédea.
E seu estradeiro era um cavalo de raça.
Tinha de ser bom para manter o controle.
Ao volante, motorista novato fracassa.
Se assusta só de olhar o console.
International 9800, máquina bruta.
Esse era o estradeiro do Otacílio.
Com ele transportava todo tipo de fruta.
Também arroz, feijão, trigo, soja e milho.
Otacílio era um dos sobreviventes.
Passou pelo covid e foi vacinado.
Teve perda, entre elas parentes.
Muito sofrimento para ser lembrado.
Aproximava-se o dia de Natal.
Queria estar em casa para essa festa.
Estar ao lado de esposa e filhos, afinal.
Após tanta perda, alguma alegria ainda resta.
Ano novo não sabia se passaria.
Essa parte do trabalho era difícil.
Amava dirigir seu cavalo pela rodovia.
Contudo, havia também sacrifício.
Apesar de endurecido pela vida.
Tinha um coração bondoso.
Se incomodava com gente sofrida.
Era comum ter ato generoso.
Pagava para algum pobre uma marmita.
Mendigo ou pedinte uma coca cola e pastel.
Dava a andarilho dinheiro para a birita.
Para crianças no semáforo, balas ou pão de mel.
Aquele carregamento tinha que chegar.
Brinquedos para uma comunidade carente.
O dono da carga queria impressionar.
Na sua cidade, empresário e político influente.
Período eleitoral estava já perto.
Reeleger-se, objetivo a ser conquistado.
Meios que utilizava, nobres, era certo.
O objetivo que desejava estava errado.
Lá se foi Otacílio levando brinquedos.
Para seu estradeiro, carga fácil de puxar.
O carreteiro conduzia na ponta dos dedos.
Sabia que tinha hora para chegar.
Partiu em seu International trucado.
Motor potente e ronco vigoroso.
Andando em ritmo moderado.
Dirigi-lo, para ele era prazeiroso.
Um carro em rápido deslocamento.
Motorista se perdeu saiu da pista.
Otacílio via angustiado o desdobramento.
Cena muito triste de ser vista.
Despencou depois de bater no paredão.
Otacílio não negaria socorro.
Profunda grota escondida pela vegetação.
Estrada ali contornava um morro.
Chegou perto do profundo barranco.
Princípio de incêndio ao olhar lá embaixo.
Pegou uma corda, teria de aguentar o tranco.
Para descer precisava de ser muito macho.
Um carro ali de passagem.
Otacílio pediu que chamasse ajuda.
O carreteiro desceu lá com coragem.
Ouviu o rapaz dizer: Me acuda.
Não queria mexer no rapaz.
Poderia causar alguma lesão.
Aguardaria pessoal capaz.
Socorristas fariam a remoção.
Meia hora depois a chegada.
Socorristas e corpo de bombeiros.
Uma maca desceu em corda amarrada.
Homens do fogo, a descer, foram os primeiros.
Conseguiram tirar o rapaz do carro.
Posto na maca, foi içado.
Sujo de sangue, terra e barro.
Na ambulância rapidamente colocado.
Como estava inconsciente.
Não viu quem era seu salvador.
Levado ao hospital caso urgente.
Ao acordar sentiria muita dor.
Apareceu também a imprensa.
Queriam fazer uma reportagem.
Mostrar que a bondade compensa.
Otacílio achava isso uma bobagem.
Entrevistaram o carreteiro.
Ele apareceria em telejornal.
Seu ato de heroísmo verdadeiro.
Faria dele celebridade atual.
Disse que fez o que era certo.
Para Otacílio não era nada demais.
No momento do acidente estava perto.
Fez o que podia por aquele rapaz.
Otacílio após cumprir seu dever.
Partiu pensando ser mais um caso.
História de caminhoneiro iria ter.
Pensou que chegaria com atraso.
Assim que chegou ao destino.
Sabia que o atraso teria um preço.
O contratante irritado, em desatino.
Ao bom senso era avesso.
Ofendeu Otacílio pelo atraso.
Disse que não receberia um centavo.
Sua obrigação era chegar no prazo.
Ao carreteiro fez grande desagravo.
Otacílio nada respondeu.
Atrasou para manter pessoa viva.
Do que fez pelo rapaz não se arrependeu.
Não arrumaria desculpa ou justificativa.
Partiu para casa com o prejuízo.
Teria de sacrificar presente das crianças.
Era homem de caráter e muito juízo.
Em Deus depositava suas esperanças.
Pensava como iria contar à família.
Não tinha dinheiro para comprar presentes.
Dizia aos filhos: “A ninguém você humilha.”
Da igualdade cristã eram cientes.
Estava próximo de casa, desconsolado.
O International rodava com classe.
Olhou de lado, um carro emparelhado.
O motorista pedia para que encostasse.
Qual não foi sua surpresa.
Homem de carona baixou o vidro e fez sinal.
Era o dono daquela empresa.
Depois de tanta ofensa, o que quereria afinal?
Otacílio parou sua carreta.
Carro parou atrás, ele viu pelo espelho.
O homem desceu do carro com uma maleta.
Veio até ele, a seus pés se pôs de joelho.
O homem chorava um choro sentido.
Deixou sem ação o carreteiro Otacílio.
Por lhe ofender, estava arrependido.
Atraso do carreteiro salvara seu filho.
Aquele rapaz que sofreu acidente.
Era filho daquele empresário.
Graças a Otacílio, um sobrevivente.
Por isso ouve atraso no itinerário.
O empresário ficou sabendo somente.
Quando viu Otacílio sendo entrevistado.
Aquele carreteiro salvou-o do acidente.
No telejornal todo o ocorrido foi narrado.
Dentro da maleta uma grande quantia.
Queria pagar por seu ato falho.
Otacílio olhou e disse que apenas queria.
O valor a ser pago por seu trabalho.
Nem um centavo a menos ou a mais.
Receberia o valor que para ele era justo.
Salvar uma vida não fora nada demais.
Fez o que fez e para isso não havia custo.
Chegou a sua casa ao entardecer.
Trazia presentes para toda a família.
Por aquele ano, a Deus tinha a agradecer.
Esteve com ele a cada quilômetro, cada milha.
Os filhos tinham do pai muito orgulho.
A esposa, estava feliz pelo marido.
Na manhã de Natal cada um com um embrulho.
Dos filhos e da esposa atendeu pedido.
Deus recompensa quem faz o bem.
A nenhum de seus filhos desampara.
ELE é Pai dos maus e pecadores também.
Para o Senhor, toda vida é muito cara.
Roberto Dias Alvares